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ARTIGO "EMPRESA FAMILIAR", de Roldo Goi Junior, publicado no LinkedIn


Euclides da Cunha, em "Os Sertões" escreve que "O sertanejo é antes de tudo um forte". Pois essa frase cabe muito bem para o fundador de uma empresa familiar. Empreender está na base da pirâmide social. Visa prover necessidades e oferece um reduto de dignidade para que muitos coloquem ali sua contribuição a esse bem social, agregando seu trabalho, inteligência, energia, solidariedade. E, afinal, visa também proporcionar lucro ao empresário, que terá que se empenhar muito para consegui-lo, e esperar até que todo o seu investimento seja retornado, até se tornar lucro de fato. O empresário corre muitos riscos e enfrenta muitos predadores para manter seu empreendimento em pé.

Para derrubar logo de cara um paradigma, empresa familiar não é sinônimo de pequena ou média. Há muitas grandes e um número esmagadoramente maior se abrirmos nossa objetiva para incluir todo o globo. Muitas das que chamamos aqui de multinacional são, em seu país de origem, empresas familiares. E muitas que chamam lá fora de multinacional são familiares aqui no Brasil.

 

A maioria das empresas familiares, se não todas, trazem em seus histórico tempos de muito trabalho, tempos difíceis, abnegação e renúncia a várias coisas a que nem todos estão dispostos, inclusive da vivência familiar em si. Quem as vê em tempos de sucesso não consegue realizar que houve um caminho árduo para chegar ali. Por isso, é preciso, antes de tudo, encarar a empresa familiar com respeito.

 

A empresa familiar, como o próprio nome indica, lida com uma complexidade que assume múltiplas formas, com múltiplas intensidades: o envolvimento dos membros e agregados da família com o negócio, direta ou indiretamente, e com sua gestão, também direta ou indiretamente. Todo o complexo afetivo da família se funde com o negócio, sem dissociação possível. E, nesse contexto, nem fundador nem membros nem agregados têm de modo garantido a competência de gestão do negócio, particularmente quando ele se expande o suficiente para não caber mais no campo de alcance do fundador. Mesmo os membros que são enviados para estudar em instituições renomadas, no Brasil ou no Exterior, não trazem garantias de capacidade de gestão. Porque essa nasce em mentes afeitas a ela, e é validada e consolidada através da experiência acumulada e testada em diversas situações. Inclusive com ensaio e erro. Mas há muitos exemplos de empresas familiares em que ambas as características se associaram em algum ou alguns de seus membros, garantindo o sucesso e expansão do negócio.

 

Também é frequente que as empresas familiares elejam pessoas de confiança para ajudar a tocar o negócio, em variadas funções e níveis, deixando a competência no assunto em segundo plano. Porque confiança é um valor humano e familiar básico. A empresa confia a gestão a pessoas que são consideradas amigos da família ou de seus membros. Isso pode gerar tumores de difícil remoção, por estarem interligados ao corpo do negócio por músculos e nervos sensíveis.

Apesar do dito acima, destaque-se que essa afetividade é benigna, não é pra ser combatida, ou eliminada. Se houver confiança e afeto onde houver competência, estaremos no melhor dos mundos. 

Enfim, a estrutura resultante fica muito exposta a falhas ao longo do tempo, e consequentemente a atos que comprometem o desempenho e o futuro dos negócios.

 

Quando não ocorrida preventivamente, vem então a dita necessidade de profissionalizar. Um projeto que também pode falhar. E a causa principal é a de que os profissionais que chegam nem sempre têm essa sensibilidade e, pior, o respeito pelo que se construiu até ali, apesar de todo e qualquer erro. Não se dão conta de que, se têm algo para atuar e melhorar, é porque aquilo foi construído um dia. Isso, por si só, já é mais significativo do que qualquer turnaround que se faça daí para a frente.

 

Quem se arroga o direito de atuar como profissional numa empresa familiar precisa ter a um só tempo a grandeza e a humildade de se inserir no contexto existente, respeitando o espaço e a história de todos os membros da família, em qualquer grau, e seus amigos de confiança, enquanto constrói com determinação e persistência a nova estrutura e processos capazes de manter os alicerces básicos daquilo que foi gerado um dia, integrando a esse esforço tudo o que existia de bom. A cultura da empresa é como sua alma, e uma eventual mudança nessa cultura precisa ser feita através das pessoas, antigas ou novas, numa verdadeira catequese, conciliando a cada passo os valores antigos com os novos.

Na transformação de uma empresa familiar, se os membros fundadores ou ligados a essa origem permanecerem próximos à gestão, e isso ocorre com frequência, é muito provável que o processo dito de profissionalização será desafiado em algum momento, porque a nova cultura e modo de gestão se distanciarão muito da sua zona de conforto, e isso lhes trará uma insegurança humanamente difícil de lidar. Para evitar isso, gestor e família precisam pactuar por cuidar intensiva e incansavelmente dessa conciliação, ampliando a mencionada zona de conforto em compatibilidade com a evolução da empresa.

 

Outro elemento básico a preservar é a representatividade da empresa perante o meio social em que ela está implantada. Imagine-se como um pai ou mãe divorciado que vê seus filhos serem criados em um ambiente com outro homem ou mulher em seu posto, e, pior, se afeiçoando pouco a pouco a eles. É o mesmo sentimento dos fundadores, ao ver aquilo que criaram ser reconhecido e atribuído a outros perante seus olhos presentes. Em muitos casos de sucesso, para evitar esta situação, a representatividade é transferida para o Conselho, permitindo que se crie uma representatividade executiva que não a contamine. Mas, de novo, esse sentimento tem que ser respeitado. Ele é humano, não é um defeito ou fragilidade.

 

Nas situações em que o empresário recebe investimento, há um risco de os investidores, geralmente com foco eminentemente financeiro, apostarem em pessoas, objetivos e metas que não sejam conciliáveis com tudo o que se disse acima, obrigando o negócio a passar por distúrbios e perdas desnecessários antes de começar a integração de fato. 

Não é necessário implantar a negação do passado para mudar o presente e construir o futuro. O sucesso vem com a Profissionalização desenvolvida com Respeito pelo que se criou um dia.